Prédio de 23 andares em obras ao lado do Mirante de Santana pode afetar medições da principal estação meteorológica de SP, diz Inmet

Prédio de 23 andares em obras ao lado do Mirante de Santana pode afetar medições da principal estação meteorológica de SP, diz Inmet
Estação meteorológica do Mirante de Santana, no Jardim São Paulo, e projeção de novo prédio a ser construído no entorno do mirante — Foto: Reprodução

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) publicou na noite desta quinta-feira (24) uma nota técnica contra a construção de um prédio de 23 andares a menos de 200 metros da estação meteorológica Mirante de Santana.

Nas últimas semanas, moradores do Jardim São Paulo, na Zona Norte da capital, se mobilizaram contra a verticalização do entorno da principal estação do município de São Paulo, onde são registrados os recordes oficiais de temperatura na cidade.

Na nota técnica, obtida com exclusividade pelo G1, o instituto explica como novos empreendimentos imobiliários de grande porte podem interferir nas medições feitas no Mirante de Santana.

O estudo conclui que o entorno imediato da estação meteorológica "deve permanecer livre de obstáculos que possam eventualmente bloquear parcial ou integralmente os raios solares e a ação dos ventos".

"Além da intensificação da ilha de calor, há também o risco de sombreamento e/ou bloqueio dos raios solares a partir da face norte da estação meteorológica, além de bloqueio ou interferência parcial das correntes de vento, visto que o prédio previsto a ser construído teria 23 andares", explica em nota o coordenador do Inmet em São Paulo, o meteorologista Marcelo Schneider.

Uma lei municipal de 1971 impede que construções mais altas do que a estação sejam erguidas no entorno, e um abaixo assinado pedindo a aplicação desta legislação para impedir a nova construção tem mais de 1.500 assinaturas de moradores.

Apesar disso, a empresa responsável pelo empreendimento já começou a demolição de casas no local e distribuiu materiais de propaganda anunciando o futuro prédio. Os moradores temem que a construtora dê início às obras antes que a legalidade do projeto seja discutida.

O terreno do edifício Piazza San Giorgio, da construtora Fao Building, fica na altura do número 200 da Rua Pedro Madureira, a cerca de 180 metros da praça Vaz Guaçu, onde está a estação meteorológica.

O G1 entrou em contato com a empresa e não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Os moradores reclamam que as denúncias enviadas à prefeitura não foram analisadas e temem que, sem definição legal, a construtora possa dar início às obras mesmo sem alvará para a execução do projeto. A demolição de casas no local está ocorrendo desde maio, com alvará de demolição aprovado pela prefeitura.

Além do edifício Piazza San Giorgio, a construtora é responsável por outros seis prédios no bairro que não possuem alvará de aprovação e execução de edificação. Esses edifícios, no entanto, estão fora da área protegida pela lei do Mirante de Santana.

Nota do Inmet

A estação meteorológica do Mirante de Santana, que funciona desde 1945, é a principal do Inmet na capital.

Dados de chuva, umidade relativa do ar, radiação, pressão atmosférica, a direção e velocidade do vento são coletados diariamente na estação. Por estar a 792 metros de altitude, o local é considerado ideal para o monitoramento meteorológico.

Na nota publicada na quinta, o Inmet explica que a posição da estação implica em "maior circulação de ventos, incidência direta da radiação solar e vista desobstruída para caracterização de nebulosidade e de fenômenos de restrição de visibilidade", o que garante a precisão das medições.

O estudo técnico feito pelo instituto aborda o caso de um prédio no Tatuapé, que viralizou nas redes sociais por conta de uma foto em que a sombra provocada pelo novo edifício encobre casas do entorno.

"No caso do Mirante de Santana, algo parecido que ocorra, mesmo sendo nas vizinhanças, seria prejudicial às medições meteorológicas e potencialmente comprometeria com uma quebra estrutural (mudança abrupta nos padrões locais, não explicada pela variabilidade natural) da série climatológica de longo prazo, dessa que é uma das estações meteorológicas mais importantes do país", afirma a nota.

O instituto explica no documento a importância das medições do Mirante de Santana para estudos climatológicos.

"As medições não são só importantes para contar a história climática do bairro e da cidade, mas, como se percebe, tem relevância também no estado, país, e de forma global através dos registros que são retransmitidos via rede mundial e que subsidiam pesquisas científica", afirma o documento.

As observações são realizadas de maneira instantânea na estação automática e disseminadas de hora em hora, via satélite.

Já as observações meteorológicas mais completas, realizadas pelo observador que opera a estação, são feitas em em 3 leituras diárias, de segunda a sexta, todo o ano, nos horários das 9h, 15h e 21h.

Receio da obra

Integrante do grupo de moradores da Rua Pedro Madureira, a administradora Ana Leonor explica que há um receio entre os vizinhos de que a construtora se beneficie do chamado “direito de início de obra”.

"A construtora pode sair comercializando coisas que ainda não têm aprovação? Tem gente indo lá de boa fé querendo comprar apartamento. Será que essas pessoas sabem que tem uma lei que não permite aquele prédio ali? Ele vai começar a construir sem alvará?", questiona Leonor.

A associação de moradores do bairro denunciou o empreendimento ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que instaurou um inquérito para investigar o caso no último dia 14. A promotoria deu 30 dias para que a Secretária Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) preste esclarecimentos.

Além disso, o MP também determinou que a Subprefeitura de Santana/Tucuruvi faça vistorias em todos os sete empreendimentos da Fao Building no Jardim São Paulo que não possuem alvará.

Essas vistorias devem esclarecer se as obras são regulares e se possuem as autorizações necessários. Caso sejam encontradas irregularidades, a subprefeitura deve “embargar a construção realizada de forma ilegal e, se necessário, interditar o local”, afirma a promotora Camila Mansour Magalhães da Silveira em seu despacho.

No manifesto enviado ao Ministério Público, os moradores dizem temer que a legalidade da construção seja discutida só após as obras.

"Nos causa grande preocupação a possibilidade de se iniciar construção de um prédio de 23 andares e vários subsolos, com todos os incômodos relacionados a uma obra desse porte, e só depois ser discutida sua legalidade, podendo, eventualmente, a construtora ser beneficiada judicialmente por alguma omissão do poder público ou pior, restar um esqueleto abandonado", dizem os moradores no texto.

Limite de altura

Em 1971, a lei nº 7662 determinou que construções no entorno da estação Mirante de Santana não ultrapassem a altura do seu segundo pavimento. No perímetro protegido, as construções não podem superar 796 metros acima do nível do mar.

“Essa proteção viabilizará a permanência da estação, evitando interrupções na sequência das medições meteorológicas, fator estatístico relevante para a análise e precisão nos dados coletados”, afirma a justificativa do projeto de lei municipal, sancionado pelo então prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz.

Os moradores calculam que, como o prédio novo fica a uma altitude similar à do mirante, a altura máxima permitida para um prédio no local seria de cerca de 16 metros – muito menor do que o necessário para a construção de 23 andares, já que cada pavimento costuma ter pelo menos 3 metros.

O grupo avalia que a mobilização pode fazer com que a construtora reveja os planos para o terreno. Eles dizem que, desde que a investigação do MP foi iniciada, os materiais de divulgação do empreendimento foram tirados do ar.

"Tem uma lei que protege esse entorno por conta das medições. Isso tem a ver com um trabalho de mais de 50 anos de estação meteorológica, de um trabalho de pesquisa que é referência para políticas públicas", afirma Ana Leonor.

"Essa mesma lei já foi usada para barrar outros prédios aqui na subprefeitura, em 2019. Nós queremos apenas que a legislação seja cumprida", completa.

Fonte:  Patrícia Figueiredo, G1 SP — São Paulo