Novo vírus com 'potencial pandêmico' achado em porcos na China tem elo com H1N1 que causou mortes em 2009

Novo vírus com 'potencial pandêmico' achado em porcos na China tem elo com H1N1 que causou mortes em 2009
Porcos em fazenda em Harbin, na China — Foto: Hallie Gu/Reuters

O novo subtipo do H1N1 detectado em porcos na China é consequência de um "rearranjo genético" com o vírus que causou a pandemia em 2009. Ele conseguiu passar de porcos para humanos, mas não há registro de infecção entre pessoas. Por enquanto, os cientistas monitoram a situação.

O que é este novo vírus?

Ele é um vírus do tipo Influenza A, responsável pelas epidemias da gripe. Ele foi identificado por cientistas na China e divulgado em artigo publicado nesta segunda-feira (29) no periódico científico PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences). É um H1N1 com características genéticas do pdm/09 - o subtipo que causou a pandemia de 2009.

A nomenclatura escolhida: G4 EA H1N1. “G4” é o nome do novo genótipo, grupo de genes que faz o subtipo deste vírus.

Como ele surgiu?

Daniel Lahr, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em microbiologia evolutiva, diz que há um conceito fundamental para entender o que mostra o estudo.

O conceito é o Rearranjo (reassortment, em inglês).

Os vírus agem se apropriando das células para conseguir se multiplicar. Quando dois vírus parecidos, dois subtipos próximos, conseguem atingir a mesma célula, pode ocorrer o rearranjo, uma mistura do RNA que gera um novo subtipo viral.

O Influenza tem uma capacidade maior de rearranjo. Tem 8 fitas de RNA. Ou seja: se dois vírus da gripe diferentes entram na mesma célula, são 16 fitas com sequência genética. Uma nova combinação pode surgir.

"O genoma do Influenza tem 8 pedaços de RNA. O vírus sequestra os mecanismos da célula e começa a fazer mais versões dele mesmo. Sozinho, ele tem 8 fitas de RNA para fazer versões. Quando é mais de um vírus no mesmo hospedeiro, são 16 sistemas, 16 desses pedacinhos que podem se rearranjar", explicou Lahr.

"Este é o principal mecanismo pelo qual o Influenza é sempre mais preocupante", completa.

O vírus da gripe tem uma propensão extra de evoluir desta forma: o Sars CoV-2, o novo coronavírus, tem apenas 1 fita. Ou seja: capacidade muito mais reduzida de recombinação no mesmo hospedeiro.

É comum achar novos vírus em porcos? Por que este chamou a atenção?

Há um monitoramento constante das mudanças da Influenza, para evitar novos surtos, atualizar imunização e tratamentos. Como parte disso, os cientistas que assinam o artigo desta segunda-feira também mostram os resultados da análise de 30 mil amostras em 10 províncias chinesas em outros porcos. Apenas entre 2011 e 2018, 179 vírus da gripe em porcos foram detectados, sendo a maioria deles "G4". A China possui 500 milhões de suínos.

O alerta maior neste caso específico relatado na China está no fato de o vírus ter mudado de hospedeiro - indo de porcos para humanos - e também pela quantidade de pessoas infectadas. Comumente, há o abate dos animais para conseguir barrar o vírus, mas neste caso a medida não irá exterminar novo H1N1, já que pessoas estão com a doença.

Além disso, em análise da revista "Science" sobre o assunto, a variante "G4" é apontada como especialmente preocupante porque seu núcleo é um vírus da gripe aviária - ao qual os humanos não têm imunidade - com pedaços de cepas de mamíferos misturados. "A partir dos dados apresentados, parece que este é um vírus da gripe que está prestes a emergir em humanos', diz Edward Holmes, biólogo da Universidade de Sidney, em entrevista à revista.

Como ele passou de porcos para humanos?

O momento exato ou o mecanismo específico ainda precisam ser estudados. Há influência das características do novo vírus, de mutações, ou de outro fator ainda desconhecido. Fato é que os cientistas encontraram o novo vírus em uma população de porcos e também em 35 trabalhadores.

Quando ele pode se tornar um novo surto?

Por enquanto, de acordo com o estudo, o vírus foi transmitido de porcos para humanos, mas não de humanos para humanos. Isso garante que um controle local, como o abate dos animais e monitoramento dos pacientes, possa acabar com o problema.

Lahr, no entanto, analisou o estudo e avalia que provavelmente não é uma disseminação em apenas um lugar. Por isso, o abate dos animais não seria o suficiente. Segundo ele, a partir de agora, o vírus pode continuar neste padrão ou mutar e passar entre os seres humanos.

"O vírus existe. Ele está sendo transmitido entre porcos. E também já foi determinado que ele infecta de um porco para uma pessoa. Agora, só falta um passo e para isso precisa de modificações muito menores. Ele pode conseguir passar de humano para humano. Mas, a parte mais difícil pro vírus é mudar de hospedeiro, é ir do porco pro humano, isso ele já fez. Agora falta ele passar de humano para humano, e é um passo muito menor. Não quer dizer que vai acontecer, mas existe uma boa probabilidade."

Como evitar?

Existe uma comissão internacional que acompanha a evolução da Influenza para garantir atualizações nas vacinas e proteger a população. Neste caso, deverá ocorrer uma discussão: vale a pena investir em modificações tecnológicas na imunização para prevenir contra um vírus que não está em transmissão entre humanos?

É uma discussão em aberto que, segundo Lahr, é importante que passe a ser feita com mais frequência e ampliada para a sociedade. O cientista defende que as vacinas sejam adaptadas antes mesmo da possibilidade de um surto entre pessoas. Segundo ele, é um investimento grande de prevenção que não tem impacto político. "No final, o vírus é barrado e ninguém ganha com isso".

"Isso será discutido pelo comitê de influenza internacional que tenta determinar como vai ser a vacina de cada ano. Eu não tenho dúvida de que essa nova variedade vai ser debatida. E existem muitas variedades de Influenza por aí."

"Por isso, é um trabalho de decisão muito grande. Eles se encontram duas vezes por ano até para decidir o que vale mais a pena: investir ou esperar se há uma mudança no vírus. É um negócio de puro 'timming'", disse.

Fonte: Carolina Dantas, G1