Lula e Fagundes polemizam em novas campanhas contra o câncer de próstata: quem de fato precisa fazer exame de toque retal

Lula e Fagundes polemizam em novas campanhas contra o câncer de próstata: quem de fato precisa fazer exame de toque retal
Fagundes e Lula chamam homens para rastreio de câncer de próstata, mas estratégia não é indicada pelo Ministério da Saúde — Foto: Reprodução / X / Youtube

Durante o Outubro Rosa, as diretrizes das autoridades de saúde são claras: a mamografia de rotina em mulheres sem histórico de câncer na família deve ser feita dos 50 aos 69 anos, a cada dois anos, para detectar o tumor de forma precoce. No mês seguinte, as campanhas do Novembro Azul seguem a mesma cartilha para o câncer de próstata, chamando os homens a realizarem exames como o toque retal e o PSA regularmente. Mas isso é de fato recomendado?

Na realidade, os exames de rotina para identificar o tumor não são um consenso como as mamografias, e as autoridades de saúde brasileiras não recomendam a estratégia a todos, mas sim uma decisão individual com o médico. Citam que há mais riscos, como biópsias e intervenções desnecessárias, do que benefícios, já que seriam poucos os casos identificados de forma precoce que de fato levariam a chances maiores de cura.

— É muito importante ter uma atenção maior à saúde do homem, mas os estudos mostram que a prática de rastreamento para o câncer de próstata não é benéfica a ponto de haver uma recomendação geral. O importante é que o homem fique atento, fale com seu médico e busque os serviços de saúde caso tenha algum sintoma — diz Renata Maciel, chefe da Divisão de Detecção Precoce da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

As diretrizes se assemelham a outras internacionais, mas vão na contramão de grande parte dos conteúdos que circulam durante novembro nos meios de comunicação. Exemplos recentes são o vídeo do canal Porta dos Fundos, com o ator Antônio Fagundes, e até mesmo da fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em live nesta semana.

— Quando temos uma recomendação de saúde pública, precisamos olhar os estudos a longo prazo. O que eles mostram é que, na população geral, a redução da mortalidade como decorrência dessa estratégia ou não aparece, ou se manifesta junto a um aumento na identificação de casos que não ameaçariam a vida do homem, mas cujo tratamento pode levar a quadros de incontinência urinária e impotência sexual — continua a especialista.

Médicos ouvidos pelo GLOBO concordam que o impacto positivo não é tão amplo como de outros rastreios – caso do câncer de mama e de intestino, pela colonoscopia –, mas avaliam que há sim casos em que a testagem regular traz mais benefícios do que riscos, especialmente em populações consideradas mais suscetíveis a um câncer de próstata.

— Os estudos têm resultados conflitantes porque é preciso acompanhar um número muito grande de pessoas e por muito tempo, já que na maioria das vezes o câncer de próstata tem evolução lenta. Mas o que a evidência sugere não é que ele deixa de ser benéfico, mas que os benefícios não são iguais para todos. Na nossa visão, eles existem especialmente para as pessoas suscetíveis a partir de 45 anos — diz Diogo Assed, membro do Comitê de Pesquisa Clínica da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e oncologista clínico do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

Para quem é indicado o exame do câncer de próstata?

Os grupos que têm um maior risco genético de desenvolver a doença são aqueles com histórico familiar próximo – casos em que o avô, o pai, o irmão mais velho, por exemplo, tiveram a neoplasia – e homens negros. Além disso, a obesidade e a idade avançada contribuem para uma maior chance de ter o câncer.

— Para esses grupos, aconselhamos que ele converse com um médico a partir de 45 anos e tome uma decisão compartilhada em relação aos exames de rastreamento. Para os homens que não são de grupos de risco, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) aconselha que essa conversa também seja feita, mas a partir dos 50 anos. A decisão compartilhada é importante, precisamos estimular esse diálogo entre o homem e o médico — explica Alfredo Felix Canalini, médico urologista e presidente da SBU.

Essa avaliação dos riscos e benefícios com o profissional de saúde é importante – após os 75 anos, por exemplo, a SBU orienta somente aqueles com perspectiva de vida maior do que 10 anos a considerarem o rastreamento.

— A população é muito heterogênea. Um paciente mais velho, com diabetes, outras doenças graves, o risco de ele morrer por outras causas é muito maior do que por câncer de próstata, então não teria benefícios. Hoje falamos em rastreamento inteligente, que é avaliar idade, expectativa de vida, quais são as outras doenças e os fatores de risco — diz Assed.

Além disso, em caso de suspeita, como ao perceber uma dificuldade de urinar, diminuição do jato de urina, necessidade de ir ao banheiro mais vezes durante o dia ou à noite ou a presença de sangue no líquido, a história é outra: os exames não são apenas recomendados amplamente, como indispensáveis.

— O diagnóstico precoce salva vidas. Tanto que quando começamos a ter ferramentas de detecção, aquele câncer que aparecia para nós, que já estava em metástase e levando o paciente à morte, diminuiu muito, tanto no serviço público, como nos consultórios particulares — diz Canalini.

Entenda o debate

No mês passado, o Ministério da Saúde e o Inca publicaram uma nota técnica conjunta em que deixam claro ser contrários à realização de campanhas para convocar homens assintomáticos para a realização de rastreamento para a doença. O documento é novo, mas ratifica uma nota anterior, ainda de 2015, que já apresentava o posicionamento.

Esses exames que estão no centro da conversa são o toque retal e o PSA. Enquanto o toque leva o médico a identificar alterações físicas na próstata, como uma textura diferente ou um inchaço, o outro avalia os níveis do PSA no sangue – uma enzima naturalmente produzida pela próstata mas que, em pacientes com câncer, há uma tendência a estar elevada.

O problema é que a próstata pode exibir mudanças por motivos benignos, e o PSA pode estar aumentado em indivíduos saudáveis. Por isso, o que confirma se é um caso de câncer, ou não, é geralmente a realização da biópsia, procedimento em que é retirado um pequeno fragmento do órgão para ser investigado em laboratório.

A biópsia, porém, não é inofensiva: tem riscos como infecção, sangramento, dor e desconforto para o paciente. E na maioria dos casos encaminhados para a biópsia, segundo análise de estudos pelo Inca, a investigação descobre não se tratar de um caso do tumor, o que mostra um alto número de biópsias desnecessárias.

— Nós analisamos muitas revisões sistemáticas que avaliam diferentes trabalhos. O que elas apontam é que o falso positivo fica por volta de 178 casos a cada mil homens que rastreiam, enquanto apenas 100 são confirmados para câncer. E desses 100 há o sobrediagnóstico, que são os casos que não precisariam ter sido detectados porque não ameaçam a vida do homem, que são cerca de 30%, 40% do total, e que podem ser alvo de uma intervenção desnecessária — afirma Maciel.

O instituto cita que, se mil pessoas realizarem o rastreamento, apenas uma será salva graças à estratégia. No entanto, para Assed, hoje o cenário é diferente do retratado nesses estudos. Ele defende que a medicina avançou para que seja possível identificar melhor quais casos não precisam de cirurgia e realizar tratamentos menos invasivos.

— O grande argumento para não se recomendar é que você poderia identificar casos pouco agressivos que não fariam mal. Tem casos que de fato não precisariam ser descobertos, e antigamente os pacientes faziam cirurgias, o que chamamos de sobretratamento. Mas hoje em dia temos novas estratégias, conseguimos detectar os casos de câncer que precisam de intervenção ou não. Isso evita esse risco, permitindo apenas a vigilância ativa ou o uso medicamentos novos que não trazem muitos riscos — diz.

Assed cita ainda uma mudança nas recomendações da Força-Tarefa de Saúde Preventiva dos Estados Unidos sobre o assunto. Em 2012, a orientação passou a ser contrária ao rastreamento. Em 2018, após novas evidências, eles voltaram atrás e passaram a recomendar a conversa com o médico sobre os riscos e benefícios para que o paciente decida.

Como prevenir o câncer de próstata?

Segundo estimativas do Inca, o Brasil tem cerca de 71.730 novos casos de câncer de próstata a cada ano. É o mais incidente entre os homens (30% do total), e o terceiro mais comum em toda a população – atrás apenas dos tumores de pele não melanoma e do câncer de mama.

O câncer de próstata também é responsável por cerca de 16 mil mortes ao ano, de acordo com dados de 2021, sendo a principal causa de óbito por câncer entre o sexo masculino, 13,5% do total. Além do debate sobre o rastreamento, Maciel, do Inca, alerta que há medidas que podem prevenir o surgimento do tumor:

— Um dos fatores de risco para o câncer de próstata de prognóstico mais avançado é a obesidade. Então alimentação saudável, reduzindo o consumo de bebidas açucaradas, frituras, alimentos ultraprocessados; ter a prática de atividades físicas; evitar o consumo de bebidas alcoólicas e não fumar são hábitos muito recomendados — orienta.

Um dos desafios, porém, é convencer os homens a cuidarem de sua saúde. Uma pesquisa recente da SBU mostrou que apenas 32% daqueles acima de 40 anos se consideram muito preocupados com a sua própria saúde, e que 46% deles só vão ao médico quando sentem algo.

— O homem historicamente cuida mal da saúde, a expectativa de vida é pior que a da mulher. Então é preciso ter o mesmo olhar que existe hoje para a saúde feminina. Isso não é somente em relação ao câncer de próstata, mas a todas as doenças. As meninas adolescentes se consultam 18 vezes mais no SUS do que os meninos. Não é porque elas tenham mais doenças ou acesso, é porque elas procuram cuidar mais da saúde. É um comportamento que tem de ser mudado — defende o presidente da SBU.

Fonte: O GLOBO