Em reunião com Lula, premier do Reino Unido promete doação de RS$ 500 milhões ao Fundo Amazônia

Em reunião com Lula, premier do Reino Unido promete doação de RS$ 500 milhões ao Fundo Amazônia
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é recebido por premier britânico, Rishi Sunak, em Londres Ricardo Stuckert/Presidência da República

O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, anunciou ao receber o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta sexta-feira que o Reino Unido será o quarto país a contribuir para o Fundo Amazônia, dias após os Estados Unidos fazerem o mesmo. A doação de 80 milhões de libras (R$ 499,53 milhões) é um voto de confiança nos compromissos ambientais assumidos pelo petista, em uma cruzada para reposicionar o Brasil internacionalmente.

O anúncio de Sunak foi feito logo no início do encontro com Lula, que está em Londres para a coroação do rei Charles III. Após dar boas-vindas e brincar que desejava que o encontro fosse "menos competitivo que um jogo entre o Brasil e a Inglaterra na Copa", o chefe de governo britânico disse:

— Para além do futebol, temos muitos interesses em comum. Seja aumentando a nossa relação econômica e o nosso fluxo comercial, mas também no combate às mudanças climáticas. Tenho prazer de anunciar nesta ocasião que vamos investir no seu Fundo Amazônia, e nós prestamos esse reconhecimento por seu trabalho e liderança.

O valor da doação foi confirmado pelo premier pouco depois da reunião, em um tuíte. Afirmando que Lula "demonstrou grande liderança no combate às mudanças climáticas, disse "ter prazer em anunciar que o Reino Unido contribuirá com 80 milhões de libras para o Fundo Amazônia, para ajudar a parar com o desmatamento e proteger a biodiversidade".

O Reino Unido se soma a Noruega e Alemanha, que retomaram suas contribuições neste ano, além dos EUA. Há 15 dias, o presidente Joe Biden anunciou que Washington pedirá a seu Congresso a aprovação de US$ 500 milhões para o mecanismo — não está claro, contudo, se conseguirá o sinal verde, já que a oposição republicana controla a Câmara e historicamente se opõe a medidas do tipo.

O presidente brasileiro, por sua vez, afirmou a Sunak que viajou para "tentar restabelecer a normalidade na relação Brasil-Reino Unido" e que "esta é a retomada das relações do Brasil com o mundo após um período de isolamento". Segundo o petista, o relacionamento bilateral é bom, mas "certamente" aquém do possível na frente comercial.

Lula reforçou ainda seu compromisso de zerar o desmatamento até 2030, repetido frequentemente nos oito países estrangeiros que visitou nos 125 dias desde a posse — nações que juntas respondem a quase metade do PIB mundial. Outro apelo frequente em sua cruzada, Lula demandou mais financiamento climático dos países desenvolvidos, maiores responsáveis pelas emissões de gases-estufa desde a Revolução Industrial.

— Os países ricos precisam cumprir os compromissos definidos nas COPs [conferência climática da ONU]. Os países mais pobres precisam de ajuda para manter suas florestas em pé — afirmou ele. — Estou muito otimista e agradecido de estar aqui. Essa bilateral é muito importante para nós.

Fundo Amazônia

Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Fundo Amazônia almeja captar doações para ações de preservação, monitoramento e combate ao devastamento, além da conservação e do desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal. Os noruegueses são os maiores contribuintes, tendo doado US$ 1,2 bilhão (R$ 3,1 bilhões, corrigidos segundo a inflação) desde que o projeto foi lançado em 2008, durante o segundo mandato de Lula.

Os alemães doaram US$ 68,14 milhões (R$ 192,69 milhões) e, em janeiro, anunciaram a liberação de mais 35 milhões de euros (R$ 194,82 milhões). A Petrobras também injetou cerca de US$ 7,7 milhões (R$ 17,3 milhões) entre 2011 e 2018. Ao todo, em sua primeira década, o Fundo recebeu R$ 3,396 bilhões em doações, financiando 102 projetos a um custo de R$ 1,8 bilhão.

Os dois países europeus, contudo, congelaram seus fundos em abril de 2019 devido às catastróficas políticas ambientais bolsonaristas e a decisão de extinguir os comitês gestores do mecanismo sem consultar os países financiadores. O retorno aconteceu nos primeiros dias de Lula no poder, frente aos acenos petistas de que a pauta climática seria prioritária.

Os endossos ainda assim são importantes para o petista, que tenta recuperar o terreno de terra arrasada herdado do governo anterior no Ministério do Meio Ambiente e nos organismos de fiscalização. Entre agosto de 2021 e julho de 2022, a Amazônia teve quase 11,6 mil km² desmatados — a piora durante o governo Bolsonaro foi de 59,5% em comparação com os quatro anos anteriores, de acordo com o preciso sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O desmate no primeiro trimestre foi o segundo pior da série histórica para o período na região, segundo dos dados do sistema de alertas do Deter, também do Inpe, que começaram a ser contabilizados em 2016. A taxa de abril, divulgada nesta sexta, contudo, registrou uma queda comparativa em relação ao mesmo mês do ano passado, ficando em 288 km², a terceira melhor marca da série histórica.

Cooperação Brasil-Reino Unido

Os britânicos perderam peso na geopolítica internacional ao deixarem a União Europeia (UE), divórcio que se concretizou em 2021. O Reino Unido, ainda assim, continua a ser um importante parceiro comercial para o Brasil, apesar de algumas barreiras.

Na agricultura, concentram-se obstáculos herdados do bloco europeu, ao menos até que os britânicos criem novas regras para substituir as comunitárias, internalizadas no pós-Brexit. O Reino Unido é um dos maiores importadores líquidos de alimentos e bebidas no mundo, e a expectativa brasileira é que, justamente por ser competitivo e sustentável nesta seara, possa ir atrás de novos acordos.

Londres pode se interessar em abrir as portas para o Brasil, frente a um quadro de inflação que custa a ceder, sobretudo no segmento de alimentos: o índice anual bateu 19,1% ao ano em março, quase o dobro do índice geral, que fechou em 10,1%. Em uma nota após o encontro dos chefes de governo, Londres afirmou que vê "grande potencial na relação entre o Reino Unido e o Brasil em temas como saúde, pesquisa, desenvolvimento e tecnologia" e que as partes concordaram em "trabalharem juntas para tratar de barreiras comerciais e destravar investimentos".

O comunicado diz ainda que os líderes "discutiram a situação na Ucrânia e concordaram que a invasão na Rússia foi inaceitável, assim como o assassinato de civis inocentes". A paz está no interesse de ambos, afirmaram os britânicos, e Sunak disse que "enquanto as forças russas permanecerem na Ucrânia, será impossível para o país encontrar paz". A nota brasileira divulgada pelo Palácio do Planalto não faz menção à Ucrânia, após comentários controversos de Lula gerarem mal-estar diplomático para o Brasil.

Dados do Banco Central mostram que o Brasil foi destino para US$ 25,2 bilhões em investimentos britânicos em 2020. Na mão inversa, o Reino Unido recebeu US$ 5,2 bilhões no mesmo período. O fluxo comercial entre os países, o somatório do que um exporta e importa para o outro, chegou a US$ 5,6 bilhões em 2021. O saldo bilateral manteve-se favorável ao Brasil em cerca de US$ 884 milhões. O Reino Unido é o 20° no ranking de destino das exportações brasileiras, mesma posição para as importações.

Fonte: Vivian Oswald, especial para O Globo, e Ana Rosa Alves / Londres e Rio